quinta-feira, 12 de abril de 2012

Liga Pró-Língua Nacional


Essa postagem não é como as tradicionais postagens de desafio que normalmente faço para testar os conhecimentos dos que conhecem Porto União. Depois de 8 meses e 264 postagens de desafios, tenho que confessar que estou um pouco cansado de, quase que diariamente, fazer absolutamente o mesmo tipo de coisa. Não vou deixar de fazer postagens de desafio, ocasionalmente vou publicá-las, mas não com a mesma periodicidade. Com o material que tenho em mãos sei que posso oferecer mais do que as simples postagens que vinha fazendo, posso contar pequenas partes da história de Porto União. Uma delas é a essa:

Quando fui juntamente com o responsável pelo setor de Patrimônio da Prefeitura de Porto União, fazer o levantamento de todas as escolas do interior de Porto União,  encontramos diversos documentos antigos, mas um pequeno caderno em uma das escolas desativadas, na comunidade de São José do Maratá, despertou minha atenção.


"Livro de atas da Liga Pró-Língua Nacional"

Já tinha lido algo a respeito, mas naquela época não tinha muita informação sobre o assunto. Então fui pesquisar e achei o seguinte:

Em Santa Catarina, muitas escolas eram perseguidas, através de legislação restritiva criada após o fim dos conflitos armados.

O Decreto-Lei nº 868 de 18 de novembro de 1938 criou, no Ministério de Educação, a Comissão Nacional de Ensino Primário. Essa tinha como um dos seus objetivos a definição de ações de nacionalização integral do ensino primário de todos os núcleos de população de origem estrangeira.

Já o Decreto-Lei nº 1.006 de 30 de dezembro de 1938, por sua vez, normatizou o livro didático, proibindo o uso de publicações que não fossem estritamente escritas em língua nacional no ensino primário .

Depois, o Decreto-Lei nº 3.580 de 3 de setembro de 1941 enfatizou a proibição de importação de livros didáticos para uso no ensino primário, bem como a produção, no Brasil, de livros escritos total ou parcialmente em língua estrangeira.

Em Santa Catarina, a interpretação e desdobramento dessas leis causaram um impacto bastante traumático para a população teuto-brasileira, e que se intensificaram com o clima trazido pela Segunda Grande Guerra.

Com base nesses fatores, a propaganda anti-alemã no Brasil continuava a identificar entre os estados sulistas, dada a grande imigração alemã que receberam, como vulneráveis à insubordinação teuto-brasileira e à adesão à Alemanha.

O caráter proibitivo ficou mais evidente, no que diz respeito aos direitos linguísticos e educacionais da comunidade teuto-brasileira, no Decreto-Lei nº 88 de 31 de março de 1938, que estabeleceu as normas relativas ao ensino primário em escolas particulares. 

O decreto obrigava as escolas particulares a tirarem uma licença do Governo para seu funcionamento. A concessão era vinculada ao cumprimento de muitas exigências, dentre as quais destaco:

  • prova de serem brasileiros natos os professores da língua nacional, geografia, história da civilização e do Brasil e de educação cívica e moral, em todos os cursos.
  • dar em língua vernácula todas as aulas dos cursos pré-primário, primário e complementar, inclusive as de educação física, salvo quando se tratar de idioma estrangeiro.
  • usar exclusivamente a língua nacional quer na respectiva escrituração, quer em placas, cartazes, avisos, instruções ou dísticos, na parte interna ou externa do prédio escolar.
  • Os mapas, fotografias, estampas, dísticos ou emblemas, assim nas salas de aula, como em qualquer outra parte do prédio escolar, não poderão perder o característico de brasilidade.
  • Excetuados os estrangeiros que sejam hóspedes oficiais do Governo do Estado, nenhum orador, ou conferencista, poderá expressar-se, nas reuniões ou comemorações escolares, senão em língua nacional.
  • Fechar-se-á definitivamente o estabelecimento, quando ministrar o ensino de língua estrangeira a crianças que não tenham o curso primário no idioma nacional. 
Por esse nível de exigência, muitas escolas foram fechadas e impossibilitadas de serem reabertas. Poucas conseguiram permaneceram na clandestinidade, desenvolvendo o ensino com base em seus recursos. Com o agravamento da perseguição gerado pela Guerra, todas as escolas teuto-brasileiras foram fechadas, sendo algumas assumidas pelo Estado e consequentemente transformadas em escolas públicas.

Respaldado pelo Decreto 88, o governo baixou então o Decreto-Lei nº 124 de 18 de junho de 1938, criando a Inspetoria Geral das Escolas Particulares e Nacionalização do Ensino, a qual criou a Liga Pró-Língua Nacional.

A Liga Pró-Língua Nacional foi criada com o objetivo expresso de fomentar nos alunos o interesse pela defesa e difusão dos valores nacionais. Aliada à isso, as atividades propostas pela Inspetoria envolviam a valorização e, em alguns casos como aqui em Porto União, a exaltação de todos os traços da cultura e do Estado brasileiro, entre outros, a língua portuguesa. Isso pode ser visto claramente nos textos do livro de atas: 

O impacto traumático a que me referi acima pode ser claramente identificado no texto da ata quando cita: "o esforço de não falar outra língua se não a portuguesa".

Havia uma cobrança muito grande sobre incutir nos teutos-brasileiros o espírito de brasilidade, como podemos ver no trecho "Tendo em seguida o Sr. Professor feito uma preleção referindo-se a esta associação e achou que não está sendo cumprida conforme deveria ser. Pois encontrou nela pouco espírito de brasilidade. E que, talvez, os membros da Diretoria não entenderam bem qual a sua finalidade". Na sequencia da ata o professor ainda cita que a Liga Pró-Língua Nacional existe em localidade onde há apenas brasileiros natos e que sua função é justamente "incutir na ideia da criança o sentimento de brasilidade".

Havia uma cobrança não só para que se falasse a língua pátria nas escolas mas sim em tempo integral e aonde quer que estivessem. Vemos isso no trecho "Pediu-nos ainda que nos esforçássemos em falar melhor e com maio prazer a língua nacional o português, que mesmo na rua e em casa falássemos entre nós em português porque assim tudo na escola se tornará mais fácil para compreender".  
Ainda falando do trauma que as crianças sofreram naquela época, vemos no trecho "que nunca rissemos dos que ainda não sabem falar e que nos corrigíssemos entre nós sem ofender um ao outro".

"Queremos ver nosso Brasil triunfar" assim eram justificadas as correções feitas, pela professora e pela secretária, na pronúncia quando alguém falava alguma palavra errada.

Já nessa outra ata podemos ver o emprego de um novo expediente para supostamente facilitar a pronúncia das palavras em português: "o ditado diário de palavras". Em muitas das atas que li, há um sentimento de patriotismo muito grande, e que pode ser visto no trecho "não queremos só ter o nome de brasileiros, mas sim sermos verdadeiros brasileiros. Bem assim como disse o grande herói Lauro Severiano Muller 'quem nasceu no Brasil e não é brasileiro, é traidor'".

Nessa ata finalmente podemos ter um exemplo do que era corrigido na pronúncia das crianças; "que não devemos também confundir o 'b' com o 'p' nem o 'd' com o 't' e assim por diante". 

Posso concluir que esse deve ter sido um período extremamente difícil para essas crianças pois muitas delas foram aprender o português na escola, sem nunca antes ter tido o contato com a nossa língua nacional, pois muitos imigrantes falavam em casa apenas a língua do seu país de origem. Podemos ver que as atas acima citadas são de um período de cerca de 6 anos da década de 50, o Decreto Lei que criou a Liga Pró-Língua Nacional data de 1938. Durante muitos anos houve a perseguição ao idioma estrangeiro e em defesa da língua nacional, o que ocasionou que hoje muitos descendentes de imigrantes deixaram de aprender a língua de seus patriarcas em função dessa proibição. 

Esse foi o prédio que abrigou a Escola Mista Estadual Almirante Barroso em São José do Maratá:


3 comentários:

Emilena disse...

Gostei muito da postagem,tenho certeza que muita gente frequentadora aqui do blog não conhece estas informações que estão aqui postadas. Por mim, pode ter mais postagens deste gênero explicativo...

Anônimo disse...

estudei nessa escola em 1982 até outubro de 1983 . nessa época ainda os alunos falavam muito em alemão e uma das minhas professoras era muito pouco estudada e escrevia no quadro palavras erradas, trocando "p" por "b" e assim por diante, mas não posso reclamar do ensino dessa época, pois vinte anos mais tarde , em 2002, me formei arquiteto na cidade de são paulo, onde moro e exerço minha profissão até hoje, muito bom relembrar dessa fase de minha vida, tantas histórias !!!!, luiz muller .

Suzete disse...

Obrigada por compartilhar esse material, valioso para a compreensão da história do ensino de língua no Brasil.

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